O mundo não ficou chato, o mundo melhorou. Por Nina Lemos

Racismo e piadas contra minorias não são mais aceitas. Acredito que a maioria de nós entendeu, finalmente, que rir da dor dos outros não tem graça

em DW

“O mundo está muito chato. Não posso nem fazer piada que logo vem esse pessoal do mimimi reclamar.” Você já deve ter se deparado com frases assim, que inundam as redes sociais e os comentários em portais, onde muitas pessoas manifestam nostalgia do que para elas foram “bons tempos”. No caso, décadas atrás, quando muita coisa errada era considerada “de boa”.

Nesse suposto “idílio”, era comum andar com crianças no banco da frente do carro (sem cinto!) e fumando ao lado delas, chamar mulheres de “piranhas”, e por aí vai. Ou seja, era um horror. Éramos muito ignorantes. E, mesmo assim, há quem tenha saudades.

Uma das grandes tristezas dos “nostálgicos do ódio” é o fato de que “hoje não podemos fazer piada com qualquer coisa”. Essas pessoas sentem falta de quando era normal fazer “piada” racista, contra gays, contra mulheres ou contra pessoas com deficiência. Basicamente, sentem saudades de um tempo em que os preconceitos e o bullying eram liberados e nunca criticados. Era assim na minha escola nos anos 80 e acredito que em quase todas.

Rir da dor dos outros não tem graça

Hoje, as coisas mudaram. Racismo e piadas contra minorias não são mais aceitas. Acredito que a maioria de nós entendeu, finalmente, que rir da dor dos outros não tem graça, muito pelo contrário. É perigoso e leva a outros assédios.

Essa tomada de consciência faz com que algumas piadas, por exemplo, sejam consideradas inaceitáveis – também pela Justiça.

Foi o que aconteceu recentemente com o humorista politicamente incorreto Léo Lins, que faz muito sucesso com um humor baseado principalmente em piadas que envolvem racismo, pedofilia, mulheres, gays, pessoas com deficiência. Não vou reproduzi-las aqui, mas ele fez piada também com a morte de Marielle Franco e Isabella Nardoni, uma criança que foi assassinada. Um horror.

Não sou só eu que fiquei com enjoo ao assistir (por obrigação profissional) a seus vídeos no Youtube. A Justiça de São Paulo entendeu que seu conteúdo violava a lei e ordenou que o show “perturbador” fosse removido da plataforma.

A decisão causou polêmica. E, claro, logo se manifestaram os nostálgicos, os que sentem saudades do humor do bullying e da ofensa racial. “Que saudades da época em que podíamos chamar um negro de macaco sem sermos presos”, devem pensar alguns.

Vini Jr. e o racismo descarado

E não, hoje não se pode, ainda bem. No Brasil, racismo é crime passível de prisão desde 1989. E, em janeiro deste ano, foi aprovada também uma lei que tipifica a injúria racial como crime de racismo. Ou seja, chamar de macaco pode (e deve) dar cadeia.

Isso não quer dizer, obviamente, que não existam mais racistas no Brasil e mundo afora. No último domingo, vimos as imagens tristes e revoltantes de torcedores de um estádio na Espanha chamando o jogador Vinicius Junior (o Vini Jr.) de “macaco”, uma forma de racismo descarado, que não pode ser aceita de maneira alguma.

Muitos dos responsáveis pela partida, além de parte dos torcedores, devem fazer parte da turma dos racistas nostálgicos, já que Vini, a vítima, foi expulso de campo.

“Vou até o fim contra os racistas”, disse o jogador, cheio de razão.

As coisas estão mudando

Apesar do absurdo ataque racista contra Vini Jr., muitas das reações a ele mostram que as coisas estão mudando. Enquanto na Espanha muitos diziam no Twitter que o jogador era “arrogante” e estava “fazendo drama”, atletas e times do mundo todo apoiavam o brasileiro.

E, mais importante, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, se manifestou, repudiou o caso e disse que entraria em contato com o governo espanhol. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que participava de encontro do G7, repudiou o racismo contra o jogador. Ou seja, o caso virou uma questão, entre outras coisas, diplomática. Certíssimo.

Se fosse no passado, isso não teria acontecido. Sim, jovens, há não tanto tempo, chamar um negro de macaco era algo aceito.

Um exemplo: Mussum, dos Trapalhões, um dos personagens mais incríveis da infância de quem tem mais de 40 anos, era alvo de várias piadas racistas no programa.

Eu adorava os Trapalhões e nem me lembrava disso. Então, foi com certo choque que vi cenas antigas do seriado. Em uma delas, Didi e Dedé estão tentando consertar um carro quebrado, e, em certo momento, Didi fala: “Achei o macaco”. Tratava-se de Mussum. Péssimo.

Esses tempos do passado eram bons? Sinto muito em dizer isso, mas só eram bons para os racistas. Espero que não seja o seu caso.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

“Reações a ataque racista a Vini Jr. mostram que as coisas estão mudando” Foto: Alberto Saiz/AP Photo/picture alliance

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